quinta-feira, 10 de julho de 2008

Assis e Santos


António Cardoso Moniz (Palme)
Rua das Laranjeiras, nº 9
Foz do Douro
4150-451 Porto
*
Um guitarrista diferente

O panorama musical portuense ficou mais pobre. Um dos melhores guitarristas de Coimbra, Arménio Serrão Assis e Santos, faleceu sem pedir autorização a ninguém, inclusivamente aos Familiares, amigos e discípulos, deixando de luto a canção de Coimbra que igualmente foi assumida, desde o princípio do século passado, pelos estudantes da Universidade do Porto. Arménio Assis foi acompanhado à sua última morada por representantes de todas as gerações universitárias de Coimbra e do Porto desde os anos cinquenta até ao nosso tempo. Nasceu em 1937, em Penacova. Foi para Coimbra, onde além da frequência dos bancos da Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra, se iniciou como guitarrista, tendo lições com Fernando Rodrigues e com o seu Irmão, o grande guitarrista Flávio Rodrigues. Começou então a tocar em todas as tertúlias fadistas da Lusa Atenas, acompanhando os melhores cantores do seu tempo, tanto no Orfeon Académico de Coimbra, como no Coral das Letras e no Orfeon Misto. Além de ter sido companheiro de serenatas de António Portugal, Jorge Tuna, Jorge Godinho, José Niza, David Leandro, emparceirou com guitarristas mais novos como Alfredo Manso, Gabriel Ferreira e Manuel Pais, acompanhado à viola por Júlio Dengucho, por Jorge Moutinho, por Manuel Dourado e por Jorge Gomes. Todos os cantores do seu tempo, principalmente, Armando Marta, Gois Alves, Gouveia e Melo e José Manuel dos Santos tiveram invariavelmente o Assis como guitarrista. Marcou significativamente a vida do Fado de Coimbra, pois fez centenas de serenatas de rua, por tudo o que era avenida, ruela,viela e beco da velha cidade do Mondego. Não gostava do fado de salão e dizia abertamente que as verdadeiras serenatas deviam ser realizadas na rua, fora de portas, à luz do luar, onde era possível tirar a maior sonoridade possível dos instrumentos, debaixo da janela motivadora de uma jovem, característica que vem marcando, desde a Idade Média, a canção dos estudante da Academia Universitária. As serenatas por si feitas nos territórios africanos de expressão portuguesa ficaram célebres, entrando na memória das centenas de pessoas que as ouviam. Algumas nos muceques de Luanda e de Benguela, perante uma multidão que apreciava os “ meninos do puto”no seu cantar e tocar que até partia o coração. O grupo que liderava era uma autêntica escola de instrumentistas e de cantores. O seu entusiasmo comunicava-se aos seus discípulos do fado, que sabiam sempre ter nele uma desculpa para as fífias e os desafinanços de principiantes. Com a sua vinda para a Faculdade de Ciências Geológicas da Universidade do Porto, começou a tocar em todas as tertúlias tripeiras e a acompanhar o Orfeon Universitário do Porto e a ser o guitarrista essencial em todas as manifestações de fado, indo por diversas vezes à televisão, participando na gravação de vários discos e colaborando com todas as associações de solidariedade que lhe pediam para trazer o seu grupo de fado. Tocava com os guitarristas Joaquim Baldaia, Manuel Antunes Guimarães, Sebastião Carneiro (Tião) e com os violas Eduardo Beirão Reis, Jaime Ferreira da Silva, Armando Carvalho Homem, Agostinho de Matos, José Alão e António Huet Bacelar. Foi figura marcante nas Tertúlia fadistas em casa do Tio Lauro e de Cunha Gomes, acompanhando dezenas de intérpretes do fado. Teve o mérito de, com a sua influência, manter activos vários guitarristas e cantores de Coimbra de diversas gerações, obrigando-os a resistirem à tentativa paranóica e niilista de carácter político para aniquilar o fado de Coimbra das universidades portuguesas. Lembro-me de uma serenata monumental da Queima das Fitas, junto da Sé do Porto, em 1987, em que participei. Não havia à mão quem tocasse guitarra, e o meu querido amigo Arménio Assis exigiu que eu o fosse acompanhar, apesar de eu não tocar há muito. Os violas eram o médico Dr. Rui de Brito e o escultor Rogério Azevedo. Cantaram, nessa serenata memorável, os antigos estudantes da Universidade do Porto Dr.s Tavares Fortuna, Álvaro de Andrade, Eng, José França e os estudantes João Fortuna, Paulo Renato, Manuel Moura, Victor Santos e Eduardo Coelho. E as serenatas passaram a ser constantes com os seus companheiros de fado Barros Leite, Hernâni Pinto, Nuno Morgado, Rodrigues da Silva, José Lello de Almeida e tantos outros que não permitiram que o Fado de Coimbra deixasse de ser cantado pela academia universitária do Porto.Com a sua influência começaram a surgir grupos de fado em todas as faculdades da Universidade do Porto. Mais tarde, Arménio Assis e Santos, na Associação dos Antigos Estudantes de Coimbra no Porto, organizou um grupo de fados, “Coimbra Eterna”, chamando às fileiras velhas glórias da academia coimbrã, residentes na Cidade Invicta, como Napoleão Amorim, José Archer de Carvalho, Henrique Tomás Veiga, José Maria Lacerda e Megre, António Sousa Pereira e os instrumentistas Aureliano Veloso, Mário Araújo Ribeiro, Joaquim Prado e Castro, Manuel Campos Costa e eu próprio. Foi gravado um disco com fados inéditos e outros adormecidos no tempo e praticamente desconhecidos do grande público, da autoria de Paulo de Sá e dos componentes do grupo. Além de Arménio Assis ter feito belísimas introduções e arranjos para fados com letras de Eugénio de Andrade, António Correia de Oliveira, Fernando Pessoa e Pedro Homem de Melo, deu um semblante bem coimbrão a tal gravação, pois tinha um modo muito pessoal e inconfundível de tocar.
O Porto perdeu uma das suas figuras marcantes em Matéria da Guitarra Portuguesa e um conhecedor profundo do fado de Coimbra, uma autêntica enciclopédia viva da única canção de estudantes conhecida internacionalmente, senão mesmo existente à face da terra.
António Moniz Palme - 08

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