sábado, 19 de janeiro de 2008

Perfil - GOSTAR DA VIDA

Nome: José Miguel Leitão Mira Baptista
Idade: 65 anos
Profissão: Médico obstetra reformado/aposentado
Naturalidade: Coimbra
Signo: Gémeos
Passatempo: Música, leitura e desporto
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Sabedor, recto, consciencioso e com muita paciência para as mulheres. Assim define Teresa Sousa Fernandes o seu amigo de longa data José Miguel Baptista. Amigo, apesar de todas as divergências, explica. “Contactei com ele sempre através dos tempos e, às vezes, as pessoas até se admiram de como é que ele é tão meu amigo porque ele é tão meu oposto. Em muita coisa. Ele é uma pessoa muito humana mas também é muito católico, muito virado para aqui ou para ali. Para se lhe mudar uma ideia é quase preciso ter a força necessária para mudar um autocarro”.
Mesmo assim, “considero-o um grande amigo. Eu sou bastante amiga dele. E apesar de estarmos localizados em pontos opostos na política e até na saúde, na parte humana coincidimos um com o outro”. Por exemplo, recorda, “no que diz respeito ao aborto, ele era ferrenho do não e eu lutei pelo sim, e tivemos algumas querelas. Claro que ficámos sempre amigos porque realmente somos como irmãos”.
José Miguel Baptista, considera, “é muito recto nos seus princípios”, recordando que foi seu interno. “Entrámos todos ao mesmo tempo para a especialidade mas ele teve que ir para a guerra. Inclusive, eu era uma correspondente de guerra dele. Quando regressou foi meu interno”.
Apesar de todas as divergências, “no que diz respeito à actuação diária e à sua sabedoria, do ponto de vista profissional ele é excelente”, considera ainda Teresa Sousa Fernandes. “Muito sabedor e muito consciencioso do que está a fazer e sobretudo com muita paciência para as mulheres”.
Colecciona bonés, jogou hóquei em patins, futebol, beachball e badmington, além de recortar e guardar uma série de “coisas” para memória futura, possivelmente memória escrita. Natural da rua da Matemática, número 10, ao lado da Rás-te-Parta, com um sentido de humor absolutamente contagiante, José Miguel Baptista é um conversador nato, daqueles com muitas e saborosas estórias para contar. E irrequieto. Durante a conversa de quase duas horas levanta-se, ri à gargalhada, dança, canta… cativa completamente a audiência.
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Intensidade e entrega totais
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Obstetra até há três meses atrás, altura em que se reformou/aposentou - não consegue decidir qual dos vocábulos será o mais adequado -, recorda com um largo sorriso os momentos passados na Maternidade Daniel de Matos, os partos cantados ou ao som da música, as muitas mães, crianças e pais que, numa atitude pioneira, começou a incluir nas consultas e nos partos.
A profissão era muito absorvente e a maneira como encara a vida, com uma intensidade e uma entrega totais, fez com que a ela se dedicasse de corpo e alma durante quatro décadas. “Terminei agora, aos 65 anos e não aos 70, porque há tanta coisa para fazer cá fora, sobretudo na parte musical, sabe?”, confessa.
José Miguel Baptista fez sempre uma vida dupla entre a medicina e a música. E ambas se misturam de forma intrínseca, sem que alguém possa dissociá-lo de uma ou de outra. Falando em José Miguel Baptista fala-se em obstetrícia e em canto. É inevitável. E apesar de o lado musical da vida não ser o profissional, foi sempre encarado como tal. “Temos que ser responsáveis”, afirma.
Aos 6 anos foi para a Luanda, onde o pai foi exercer Medicina a convite de Bissaya Barreto. A passagem por África marcou-o na sua maneira de estar e encarar a vida. Porque não pode deixar de marcar. “São outros horizontes. A grandeza é muito maior”. A vivência, lá, “foi magnífica”, recorda José Miguel Baptista que viveu Luanda em todo o seu esplendor. “E quem viveu em África nunca mais esquece aquilo”.
Quando regressou a Coimbra, aos 17 anos, guardava a memória da ponte de ferro que atravessava o Mondego, ligando as duas margens da cidade. A escolha da Medicina não foi, garante, por influência paterna, mas porque “tenho jeito para isto”. Ou seja, sempre lidou de forma humana e carinhosa com os milhares de utentes que, como médico, lhe passaram pelas mãos. A tal paciência para com as mulheres, que a amiga e colega referiu.
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Liberdade igual a responsabilidade
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O lema de vida é simples. Liberdade é igual a responsabilidade. “Somos criados pela liberdade, como é obvio, mas de preferência responsaveizinhos. Há que tentar manter valores e valores sólidos. Não cabanas de palha que à primeira ventania sejam levados com o vento”.
De entre estes valores, na vida de José Miguel Baptista têm lugar especial de afecto os que desde os 17 anos acumulou no convívio com os companheiros do Orfeon Académico e posteriormente do Coro dos Antigos Orfeonistas, que ainda hoje integra. “Sou fundador e hei-de morrer lá, se Deus quiser”. Anos de companheirismo, viagens, aventuras, muita música e muitas, muitas estórias por contar. Estórias que não cabem numa simples página de jornal, mas que garantidamente todos deveriam ouvir.
“Eu não sei se faço amigos com facilidade ou não. Mas como gosto de ir às raízes das pessoas, e tal, e normalmente ficam pontes que são sólidas. Não gosto de ver as coisas com superficialidade. Isso é como o passeio do cão por terra vindimada”.
Então e os fados?, queremos saber. “Os fados vieram depois dos solos”, responde. Solos no Orfeon, está bem de ver. Fados depois de o guitarrista Eduardo Melo o ter ouvido e o ter desafiado para um outro lado da música que já deu origem a várias gravações, a solo e integrado no grupo Tertúlia do Fado de Coimbra. Entre os discos contam-se também, naturalmente, os do Orfeon Académico e do Coro dos Antigos Orfeonistas, o primeiro de 1962 gravado pela americana Columbia Records. Memorável, sem dúvida, o cd “Em Canto” gravado com a The London Philharmonic Orchestra, nos emblemáticos Estúdios Abbey Road, com arranjos e produção de José Calvário.
5.614 caracteres e fica tudo por contar. Sobretudo o viver as coisas com tanta intensidade... “Isto no fundo é gostar da vida”, afirma com um simples encolher de ombros José Miguel Baptista. Até porque “tudo depende da entrega que cada um coloca naquilo que faz”.
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Jornal semanário Campeão das Províncias de 10-1-2008, com texto de Paula Alexandra Almeida.

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