FADO DOS MILAGRES
Música: Antero Dias Alte da Veiga (1866-1960)
Letra: Antero Dias Alte da Veiga (1866-1960)
Incipit: Linda terra de São Paio
Origem: São Paio de Gramaços
Data: ca. 1ª década do século XX
Linda terra de São Paio,
Que o Sol beija todo o dia,
Ninho de tanta avezinha
Onde canta a Cotovia.
Carvalhinhas dos milagres
E sombrinhas do meu gosto
Que abrigais orações
Dos romeirinhos de Agosto.
Tantos anos que contais
Primaveras e inverneiras
Vós sois de Nossa Senhora
As mais fiéis companheiras.
Ó Senhora dos Milagres,
Protectora da alegria,
Ajudai a débil voz
Duma pobre Cotovia.
Eu não sei cantar cantigas,
Mas canto do coração,
Ajudai-me raparigas
A cantar com devoção
Versos à Virgem Maria!
Canta, canta, Cotovia!
Composição musical de pendor estrófico, em compasso quaternário (4/4) e tom de Fá Maior, com estrutura convencional improvisatória. A letra é constituída por cinco estrofes, quatro quadras e uma sextilha. O autor desta composição é o afamado guitarrista Antero da Veiga, profusamente aclamado nos auditórios de Arganil, Oliveira do Hospital, Coimbra e Galiza. Antero da Veiga interpretava uma versão instrumental desta melodia nos seus concertos de guitarra, conforme exemplifica o espectáculo que deu no Teatro Rosalia de Castro, na Corunha, com seu filho Eugénio da Veiga, no dia 31 de Maio de 1929.
O autor manuscreveu a solfa desta peça, para piano, em 4 de Janeiro de 1959, com a seguinte dedicatória: “Ao seu neto e afilhado muito querido, Manuel Maria d’Alte da Veiga, e com os melhores votos de felicidade, oferece esta recordação o avô e padrinho muito amigo Anthero da Veiga”. Mais precisa o autor ter improvisado a composição no adro da Capela de Nossa Senhora dos Milagres, sita em São Paio de Gramaços, Concelho de Oliveira do Hospital, numa das romarias ali feitas no mês de Agosto. A letra foi oferecida a uma jovem cantadeira da terra, de nome Cotovia. Infelizmente, Antero da Veiga não indica a data da feitura, mas trata-se claramente de uma obra dos alvores do século XX, e só não a datamos como sendo da década de 1890 por não apresentar ostensivo compasso binário.
A análise e transcrição desta peça por Octávio Sérgio (Janeiro de 2008) vem disponibilizar informação que contradita o nível de conhecimentos disponíveis sobre temas da CC até aos tempos mais recentes. A audição da melodia revela que estamos na presença inequívoca da matriz do chamado FADO DA MENTIRA, durante mais de meio século indevidamente atribuído a António Menano, e por vezes correlacionado com o nome do compositor amador, guitarrista e cantor Alexandre de Rezende. A audição comparada dos dois títulos e solfas revela que, além de ser a mesma composição, as ligeiras diferenças assinaladas no FADO DA MENTIRA não congregam matéria bastante para continuarmos a considerar o chamado FADO DA MENTIRA como obra autónoma face ao FADO DOS MILAGRES.
A composição de Antero da Veiga, com o título FADO DOS MILAGRES, é cronologicamente anterior às primeiras afirmações públicas e privadas de Alexandre de Rezende no panorama musical conimbricense. Um parte importante da obra de Antero da Veiga vinha já da segunda metade da década de 1890, tendo sido outra produzida até 1910, numa fase em que brilhou em inúmeros salões da Beira Litoral e se fez ouvir a pedido do Rei D. Carlos.
O FADO DOS MILAGRES estaria já muito popularizado na tradição oral conimbricense por volta de 1907-1912, anos primiciais de afirmação de Alexandre de Rezende. Não custa acreditar que Rezende tenha interpretado o tema de Antero da Veiga como peça iniciática e improvisatória, uma vez que a melodia se prestava à incorporação de outras letras, a momentos de duo de tipo descante, e à elaboração de derivas sobre a melodia original.
Em Coimbra, alguns familiares do executante de violão Augusto Louro (que gravou discos com Flávio Rodrigues e António Menano), tinham por certo que uma das peças indicadas no cartaz do espectáculo dado por Antero da Veiga no Teatro Rosalia de Castro em 1929 havia sido gravada por António Menano. Infelizmente não conseguiam precisar qual, mas concatenando agora todos os fios soltos, torna-se possível chegar ao FADO DOS MILAGRES que fora rebaptizado por Rezende como “Fado da Mentira”.
Face aos dados apurados, e apesar de Alexandre de Rezende constar expressamente como autor do chamado FADO DA MENTIRA na partitura “Fado da Mentira”, Lisboa, Sassetti, 1927, bem como na etiqueta do disco de 78rpm gravado em 1927 por José Dias, E. Q. 26 (e como tal reportado no catálogo impresso pela HMV em 1928), recomendamos que em futuras identificações a autoria do FADO DA MENTIRA passe a ser atribuída a Antero da Veiga, devendo corrigir-se os dados autorais apurados até à presente data nos seguintes textos:
-José Anjos de Carvalho, “Discografia de José Dias com as letras que conheço”, http://guitarradecoimbra.blogspot.com/ (Parte I), edição de 21 de Outubro de 2005;
-José Anjos de Carvalho e AMNunes, “Discografia de José Dias e respectivas letras”, http://guitarradecoimbra.blogspot.com/ (Parte I), edição de 21 de Janeiro de 2006;
-José Anjos de Carvalho e AMNunes, “António Menano. II. Reportório musical impresso”, http://guitarradecoimbra.blogspot.com/ (Parte I), edição de 11 de Outubro de 2006;
-José Anjos de Carvalho e AMNunes, “António Menano. V – Letras das Sessões Fonográficas. V.I – Sessão de Paris (1927)”, http://guitarradecoimbra.blogspot.com/ (Parte I), edição de 27 de Abril de 2007;
-José Anjos de Carvalho e AMNunes, “Alexandre de Rezende, compositor, cantor e guitarrista”, http://guitarradecoimbra.blogspot.com/ (Parte I), edição de 15 de Maio de 2007.
Transcrição: Octávio Sérgio (2008)
Textos e pesquisa: José Anjos de Carvalho e AMNunes
Agradecimentos: Prof. Doutor Alte da Veiga, pela cópia da solfa de seu Avô, facultada em 1989
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