Variações em Ré menor de Artur Paredes
Música: Artur Paredes (1899-1980)
Origem: Coimbra
Data: ca. 1922
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Composição instrumental urdida entre 1920-1922 por Artur Paredes, sendo também do citado autor a correlativa harmonização. Peça originariamente destinada a trio de cordofones constituído por primeira e segunda guitarras toeiras de Coimbra e violão de cordas de aço. Em bom rigor, o título não traduz com inteireza a natureza deste espécime, pois não estamos em presença de uma variação clássica onde exista um tema nuclear sucessivamente glosado/variado pelo autor e/ou executante. Também não se trata de uma composição integrável na técnica arcaica herdada de oitocentos e ainda muito em prática na década de 1920 em concertos e registos fonográficos com remissão para os nomes de José Cochofel, Ricardo Borges de Sousa, Manuel Mansilha, Antero da Veiga, Paulo de Sá ou Miguel Peres de Vasconcelos.
Percorrer os tons de Ré, Dó e Mi, era périplo quase obrigatório para qualquer guitarrista coimbrão que se prezasse. A exercitação do Ré menor, condimentada pela guitarra em afinação natural, resvalava com facilidade para campos contíguos ao “fado corrido em ré menor” e “variações sobre o fado corrido em ré menor”, já a fazer jus ao gosto eclético das elites urbanas e provinciais. Fazem prova deste longo derrapar para os territórios do Fado peças como “Variações sobre o Fado em Ré Menor” (de Peres de Vasconcelos, q.b. arcaizante, gravação do próprio na Columbia em 1928), “Variações do Fado em Ré Menor” (de Antero da Veiga, gravação do próprio na HMV em 1929), bem como os célebres “rés” 1 e 2 que Flávio Rodrigues herdou de seu pai António Rodrigues e gravou em 1927 na Odeon. E outros arcaísmos probatórios poderiam ser convocados como o “Fado de Coimbra em Lá Maior”, de Mansilha, registado por Borges de Sousa, e o “Fado em Dó”, do próprio Borges de Sousa, a que se juntam três peças de Francisco Menano que colheram fartos aplausos entre 1905-1912 e anos seguintes: “Fado Menano”, “Variações em Lá” e “Variações em Dó”.
Artur Paredes revelar-se-ia o primeiro executante conimbricense de guitarra a romper com o ciclo vicioso da afinação natural e com esquemas de digitação centrados na reprodução da linha melódica, soluções via de regra enfeudadas à estética ultra-romântica. A partir de 1920, e de todas as vezes que a sua presença se fazia sentir nos palcos e estúdios, tornou-se inevitável a discussão entre os adeptos do estilo antigo e do estilo parediano. Aderir ao estilo antigo e elogiá-lo era seguir as pisadas de Manuel Mansilha, Borges de Sousa, Antero da Veiga, Francisco Menano e Paulo de Sá. Raro era o espectáculo que tendo Artur Paredes como cabeça de cartaz no Teatro Avenida não terminava a noite em acesa discussão entre os partidários do estilo Paredes e os nostálgicos de Manuel Mansilha, executante que “fazia chorar as pedras da calçada”, dizia-se.
Artur Paredes só viria a gravar esta composição em Lisboa, no mês de Maio de 1927, no disco de 78 rpm His Master’s Voice E.Q. 74, acompanhado por Afonso de Sousa (g) e pelo relojoeiro e tocador de rabeca Guilherme Barbosa (v). À data dos registos de 19 e 20 de Maio de 1927, Paredes construíra pacientemente peças instrumentais apropriadas à exploração sonora da guitarra, chegando nalguns casos a dispor de três a cinco variantes do mesmo tom. Paredes afirma-se assim como o primeiro compositor amador e executante a criar um método individualizado e autónomo para um cordofone que estava organologicamente definido desde sensivelmente 1905 pelos guitarreiros locais. O atraso artístico que rodeava o cordofone conimbricense e o atavismo estético que lhe estava associado, relegavam este instrumento para o campo da não arte, num tempo em que a guitarra de fado (tipo Lisboa), a guitarra do Porto e as violas regionais de cordas dobradas tinham plenamente delimitados os seus campos criativos.
Este “ré” abre em compassos alternados de 3/8 e de 4/8, posto o que estabiliza no 4/8, com desenvolvimento na tonalidade de Ré menor, salvo uma curta frase onde Paredes opta pela “escala espanhola”. A caminho do fim, o autor faz uma guinada para o território do Fado, incorporando entre os compassos 55 a 66 a versão popularizada do “Fado de Mário Gayo” (Chamaste-me tua vida). A composição referida é um típico fado corrido menor, em compasso 2/4, muito cantado em Coimbra pelo menos desde 1912, data em que a solfa correu impressa na Litografia Correia Cardoso (nº 77 da série “Canções Populares de Coimbra”). Esta opção faz com que após uma incursão fadística em crescendo, a peça remate com duas “pancadas” secas, muito usuais no finalizar do Fado Corrido, e em incontáveis danças folclóricas onde detinham supremacia as violas de arame, mas que não era expediente usual na Canção de Coimbra. Não se tratando de uma apropriação literal da melodia original do “Fado de Mário Gayo”, não é de questionar a autoria deste “Ré”, cuja ideação deve considerar-se unicamente parediana.
“Variações em Ré Menor” viria a transformar-se num singular monumento do património da guitarra de Coimbra e da Canção de Coimbra da década de 1920. Interpretado por sucessivas gerações de executantes conheceu diversas reciclagens fonográficas, nas quais se contam as de Carlos Paredes, António Portugal/Pinho Brojo e Paulo Soares. Será a composição conimbricense de guitarra mais executada, apenas sendo superada em número de aderentes pelo “Lá Menor” de João Bagão, espécime que também é conhecido por “Lá menor das feiras”.
Artur Paredes demorou-se no tom de Ré menor, incursão quase obrigatória no meio século que o precedeu. E depois dele, quase se pode dizer que até ao crepúsculo da centúria de XX não passou década em Coimbra em que se não tenha produzido pelo menos um Ré menor.
Olhando para trás, aquilo que na década de 1920 era um ícone de um estilo pessoalizado e um tentame de ilustração musical do modernismo presencista, acabaria por ser naturalizado na década de 1950 como “o estilo de Coimbra”.
Para ouvir: interpretação da peça original, CD “Coimbra Fado (1926-1930)”. Volume II, Macau, Tradisom, TRAD 005, 1994, faixa nº 3; CD “Biografia do Fado de Coimbra”, Lisboa, EMI-Valentim de Carvalho, 7243 5 30977 2 1, 2000, faixa nº 8 (remasterização a partir do cd Tradisom)
Transcrição: Octávio Sérgio (2008)
Texto: AMNunes
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Nota:
Este fragmento abaixo, do Ré menor de Artur Paredes (primeiros nove compassos), mostra-nos como este tocou na gravação. No entanto, para facilitar a leitura, optei pelo compasso 4/4 em toda a peça. De notar que não segui exactamente o que Artur Paredes gravou em 78 rotações (1927). Há mais versões deste Ré menor, pelo próprio e pelo filho Carlos Paredes (ensinado pelo próprio pai). Artur Paredes nunca tocava duas vezes seguidas da mesma maneira, motivo pelo qual há várias versões. O que está exposto acima é a maneira como eu agora a executo, embora não siga sempre, exactamente, o que lá está escrito.
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Nota:
Este fragmento abaixo, do Ré menor de Artur Paredes (primeiros nove compassos), mostra-nos como este tocou na gravação. No entanto, para facilitar a leitura, optei pelo compasso 4/4 em toda a peça. De notar que não segui exactamente o que Artur Paredes gravou em 78 rotações (1927). Há mais versões deste Ré menor, pelo próprio e pelo filho Carlos Paredes (ensinado pelo próprio pai). Artur Paredes nunca tocava duas vezes seguidas da mesma maneira, motivo pelo qual há várias versões. O que está exposto acima é a maneira como eu agora a executo, embora não siga sempre, exactamente, o que lá está escrito.
Etiquetas: Partituras
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