quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Armando de Carvalho Homem
(1923-1991):
percurso e discurso de uma guitarra

Armando Luís de Carvalho HOMEM


Armando de Carvalho Homem quando finalista de Ciências Físico-Químicas
(Coimbra, 1945)


Armando de Carvalho Homem caricaturado por TOSSAN para o Livro dos Quartanistas de Ciências (Coimbra, 1944)

Armando de Carvalho Homem na República Baco em 1944

Armando de Carvalho Homem com Mário Freitas (g), Paulo Alão (v), Horácio Miranda (c), e o filho Armando Luís de Carvalho Homem (v), em 18 - 12 - 1985, dia do doutoramento deste.

Armando de Carvalho Homem com a esposa e o filho.

Armando de Carvalho Homem na República Baco em 1945.

I. Nota biográfica

«Certamente haverá quem estranhe que esta biografia seja da responsabilidade de um filho do biografado, que até usa o mesmo nome. O espólio que nos foi legado creava-nos essa responsabilidade. A nossa formação, a nossa obra de toda uma vida parecem-nos todavia garantia suficiente de que aqui é só o historiador a trabalhar e que o próprio respeito que se lhe deve exigir pela figura cujo perfil procura traçar lhe impõe naturalmente a isenção. Talvez até a proximidade lhe permita compreender melhor e não distorcer».
(Vitorino Magalhães GODINHO)
[1]

«As minhas palavras (…) resultam (…) do estudo frio e imparcial da obra que elle nos legou, e que é o mais eloquente de quantos monumentos a piedade dos seus pudesse erguer-lhe».
(António de VASCONCELOS)
[2]

Armando de Carvalho Homem nasceu em Viseu a 29 de Setembro de 1923 (freguesia Oriental), sendo o mais novo de 6 irmãos; no Liceu local fez o Curso Secundário (1933 ss.) e em 1940 chegou a Coimbra para cursar Ciências Físico-Químicas [3].
Haveria na família antecedentes musicais ? É duvidoso: uma breve sondagem no Arquivo da Universidade dá-nos indivíduos de apelido «Carvalho Homem» cursando Leis (e, ocasionalmente, Cânones e mais tarde Direito) a partir de ca. 1790, e isto deixando de lado outros mais remotos, naturais da mesma região (Viseu, Sátão, Ladário, Abrunhosa, Rio de Moinhos, Ferreira de Aves…) mas ostentando os apelidos pela ordem inversa («Homem de Carvalho»)[4] ou então apenas um deles («Homem»)[5].
Estudos de Geografia eleitoral[6] dão-nos um António de CH[7] a intervir politicamente na povoação de Abrunhosa do Ladário (freguesia de S. Miguel de Vila Boa, concelho do Sátão) em tempos de primeiro liberalismo (década de 1820), e as não muitas referências a esta e a outras individualidades[8] como que configuram uma pequena aristocracia de notáveis locais, terratenentes «quantum satis», mas em quase todas as gerações enviando algum(ns) dos seus para Coimbra, a cursar predominantemente as áreas jurídicas em Oitocentos, com uma viragem para a Medicina e para a Philosophia Natural (e depois para as Ciências) nas primeiras décadas de Novecentos.
Homens de talentos musicais ? Bem gostaria de o saber… As memórias familiares registam essencialmente episódios de tipo romanesco / picaresco, bem como um humor «sui generis» traduzido no hábito de colocar alcunhas a tudo quanto era gente da terra, incluindo os mais novos da família: como amostra, reproduzo algumas que ainda ouvi – «o Tomé do Ó», «o Mata-Deus», «a Nhê-Nhê», «o Luís Mijão», «o Ginja», «a Campainha da Misericórdia», «o Verga», «o Padre Pinguinhas», «o Flor da Praça», «o Manel», «o Dr. Bácoro», «o Dom Joaquim», «o Jimbrinhas», «a Maria Marreca», «o Ti’ Farmácio», «o Tiros», «o Pote das Migas»…; para além disto, conservadores quantum satis, não careciam todavia de uma certa costela anti-clerical, que os levava a declamar, no silêncio das noites de Primavera e de Estio, sátiras dirigidas ao capelão (e, ao tempo, também Mestre-Escola) – um clérigo de arqui-conhecidos ‘pecados da carne’… – de Nossa Senhora da Esperança (jóia local de arte barroca, finalmente a ser objecto de atenção por parte dos historiadores da Arte)[9]; reproduzo uma quadra retida pela minha rememoração:

Ora viva o Sôr Abade !
Quando põe seu carapuço
Dentro lá da sua sala
‘Té parece um bácoro ruço !...

Ao nível de Pai médico e de um tio jurista[10] – acrescidos de mais um tio que cursou Philosophia sem concluir[11] – é que ACH poderá ter já tido directos antecedentes, prolongados em dois dos irmãos mais velhos: Jaime de CH (1904-1976), que cursou Medicina nas décadas de 20 e de 30, foi executante de guitarra e de concertina e membro de agrupamentos do tipo das futuras Estudantina e Orchestra Pitagórica; estritamente guitarrista foi o irmão etariamente mais próximo, José Cardoso de CH (1916-1975), professor da Instrução Primária diplomado pela então Escola do Magistério Primário de Viseu e que em Coimbra cursou Ciências Pedagógicas na Faculdade de Letras (anos 30); este, que ainda ouvi uma vez tocar nos anos 60, é que chegou a ser um executante regular, ousando mesmo peças de Artur Paredes (nomeadamente as «Variações em lá menor n.º 1»). Daqui terão vindo para ACH as primeiras letras instrumentais. Daqui e não só. Nos meses estivais, à casa de Abrunhosa – onde meu Avô José de CH (1877-1945)[12] passou definitivamente a residir em finais da década de 20, exercendo como médico municipal e inspector sanitário de feiras e mercados rurais – muita gente afluía, incluindo um Director de Finanças da vizinha vila do Sátão (sede do concelho do mesmo nome e ostentando até 1951 a designação de Vila da Igreja), também executante. E não raro o silêncio de calmas noites era quebrado por vozes e instrumentos. Para além disto, na casa existiam um gramofone e diversos discos do universo coimbrão.
É com este background familiar e convivial – pautado portanto por toda uma cópia de varões façanhudos, ornados, por regra, de não menos façanhudos bigodes – que ACH chega a Coimbra em 1940 e vai habitar a «República Baco» (sediada, ao tempo, na Rua do Forno, artéria há muito desaparecida, sita em espaço onde está hoje o edifício de Física), ingressando um ano mais tarde na Tuna Académica como executante de viola; será, em 1943/44, Vice-Presidente de uma Direcção liderada por Aurélio Afonso dos Reis.
E a guitarra ? As informações de que disponho são algo vagas no que toca a cronologia da sua actividade neste campo. Os dados mais concretos e afirmativos provêm do testemunho do Dr. Augusto Camacho – que com o Dr. Ângelo Vieira Araújo e o Dr. Aurélio Reis constituiu sem dúvida o trio dos mais amigos-do-seu-amigo que teve no meio musical, e que em cada encontro me rememora momentos que com ele viveu, tudo com apreciável precisão de datas[13]. E é justamente Augusto Camacho que me fala de ter conhecido, sendo ainda aluno do Liceu D. João III mas frequentando já o meio musical, um guitarrista ligeiramente mais velho (Camacho nasceu em 1924), alto (1,83 m), extremamente magro e ostentando um «bigodinho» (obviamente contrastante em espessura – ao tempo – com os dos seus façanhudos avoengos); tocava relativamente pouco, mas mostrava-se aplicado; e uns 2 anos mais tarde estava um guitarrista feito.
Este testemunho parece assim fazer contrastar uma fase inicial, em que ACH trabalha como «2.º guitarra» de António Cabral – grande solista que escassa nomeada acabou por deixar – e de João Bagão (1921-1993; com este último tocavam então os violas Prado e Castro [irmãos gémeos]), com a fase em que lidera grupos, nomeadamente o que constituiu com José Sobral de Carvalho. No tocante a violas, e para além dos já mencionados, recebeu a colaboração de Eduardo Tavares de Melo, Aurélio Reis e Mário Henriques de Castro (1918-1999); e acompanhou cantores como Manuel Julião, Augusto Camacho, Napoleão Amorim, Anarolino Fernandes, Alcides Santos, «Nani» e Alexandre Herculano. Acrescentarei que houve 3 fados que sempre gostou especialmente de acompanhar: «Vento, não batas à porta», «Inquietação» ( = Quanto mais foges de mim…) e «Fado do 5.º ano médico, 1928» ( = Ó meu amor pobrezinho / Ó minha esguia andorinha…).

O termo da Guerra – justamente no ano em que ACH conclui a licenciatura – algo terá mexido com o meio musical coimbrão: é não muito depois que vão ter início, no Emissor Regional Centro (ERC) da Emissora Nacional (EN), os programas «Serenata de Coimbra», com transmissão directa (ao tempo) e periodicidade mensal. Não existindo ainda um estúdio capaz, as actuações/transmissões processavam-se ao ar livre, onde houvesse um mínimo de condições acústicas e de luminosidade (ou, pelo menos, de iluminabilidade): Sé Velha, sem dúvida (onde a tradição do Canto se localizava essencialmente na Porta Especiosa), mas também Penedo da Meditação, bancadas do velho Campo de Santa Cruz (onde uma vez uma inoportuna falha das precárias luzes apanhou ACH a meio das suas «Variações em lá menor»; todos os executantes se aguentaram e o público ouvinte de nada se apercebeu…) e outros locais. Os grupos de ACH e de José Maria Amaral (1919 -2001) foram pioneiros na participação em tal iniciativa e a primeira Serenata teve lugar na Sé Velha, ca. 1946 (testemunho de Augusto Camacho). Viria a tornar-se célebre a locução do futuro médico Augusto Guimarães Amora, com expressões como:

- Senhoras e Senhores Ouvintes, algures de Coimbra vamos transmitir mais uma Serenata, com a colaboração de um grupo de estudantes. A abrir, as clássicas e inconfundíveis guitarras coimbrãs.

Estas «Serenatas de Coimbra» terão por outro lado contribuído para espevitar a veia criadora dos guitarristas: porque se muitos tinham já Artur Paredes (1899-1980) nos seus dedos, executar peças do Mestre em público tinha mais que se lhe dissesse… É assim que, nos restantes anos de Coimbra (até 1948), ACH elabora as suas «Variações em ré menor» e «em lá menor», a «Valsa em lá menor n.º 1» e a «Miscelânea em Lá» (arranjo, sobre temas de Artur Paredes e João Bagão); foi este (ou pelo menos parte dele) o repertório que executou em tais actuações radiofónicas, acrescido de «Fado Hilário» (instrumental). Em 1946/47, tanto ACH como José Amaral ficaram sem os respectivos «2.os guitarras», saídos de Coimbra; e resolveram unir esforços para garantir a continuidade das «Serenatas». Também na digressão a Espanha do Orfeon Académico (Primavera de 1947) se conjugaram: o naipe instrumental foi constituído por J. Amaral, ACH, Sobral de Carvalho e Tavares de Melo, solando alternadamente nos saraus os dois primeiros mencionados. Em 1947/48 é a vez de José Amaral deixar Coimbra, e com ACH toca nesse ano o terceiranista de Farmácia António Pinho de Brojo (1927-1999), que anteriormente colaborara com João Bagão e José Amaral .

Mas a vida prática fazia entretanto valer os seus direitos: licenciado na época de Outubro de 1945, ACH já não pôde ingressar de imediato no Estágio Pedagógico. 1945/46 será assim ano de ensino num Colégio particular, na Régua. 1946/47 e 1947/48 serão tempos de regresso a Coimbra, estagiário no Liceu Normal D. João III, aluno de Ciências Pedagógicas na Faculdade de Letras[14] e, para compor orçamento, professor e explicador do Ensino Particular.

Concluído o Exame de Estado, atinge a situação de agregado do 7.º Grupo dos Liceus (1948) e é colocado no Liceu Passos Manuel (Lisboa). Consumado meses depois o concurso para professor auxiliar, é transferido para o Liceu Alexandre Herculano (Porto) e aí permanecerá até ao termo de 1948/49.
Em 1949/50 inicia funções no Liceu Nacional de Viseu (onde estudara nos anos 30) e aí ficará até 1956. No Natal de 1949 casa com Maria Alcina Marques Pereira Gomes [de Carvalho Homem], também beirã (natural de Oliveira de Frades) e farmacêutica diplomada pela então Escola Superior de Farmácia/UC no mesmo ano de 1945; do casamento nascerão dois filhos[15].

Os tempos de Viseu permitirão alguma continuidade das lides guitarrísticas: pelos anos iniciais da nova década cria-se a Associação dos Antigos Alunos do Liceu Nacional de Viseu (AAALNV), de que é um dos fundadores e membro dos primeiros Corpos Gerentes; e nos seus anos de arranque a novel colectividade realiza regularmente saraus académicos; ACH está logicamente na linha da frente para os indispensáveis «Fados e Guitarradas de Coimbra»; formou grupo com o seu antigo Mestre de Matemática (e ao tempo Colega) Augusto Serrão (g.) e com o filho deste, José Serrão (v.). Não tenho lembrança directa de cantores, apenas uma memória ténue – para além de individualidades residentes na Cidade – dos nomes de Fernando Rolim e Napoleão Amorim como participantes em saraus da AAALNV. Note-se ainda que em Viseu foram alunos de ACH Octávio Sérgio, José Mesquita e José M. Barros Ferreira, entre outros futuros nomes do firmamento coimbrão.
Já os anos de 1956/57 e de -57/58 serão de total paragem musical. Colocado em Ponta Delgada no primeiro daqueles anos (e ascendendo então a professor efectivo dos Liceus, 7.º Grupo), na viagem de barco para os Açores[16], um acidente destruiu a guitarra (obra do construtor RAUL SIMÕES), tornando musicalmente infrutífero o reencontro açoreano com Eduardo Tavares de Melo, licenciado em Direito e a residir na sua Terra-Natal. Braga, onde ensinou no ano subsequente, não foi ainda o lugar nem o momento de remediar o desastre.

O Porto, para onde se transferiu em 1958 (novamente para o Liceu Alexandre Herculano, onde ensinou até à reforma por tempo de serviço[17]), seria a urbe do renascer dos dedos: em princípios de 1959 adquiriu uma nova guitarra na CASA DUARTE (à Rua Mouzinho da Silveira); o instrumento acabou por revelar-se dos melhores que daqueles construtores (há muito desactivados)[18] algum dia saíram, isto segundo testemunhos múltiplos desde que, a partir de 1991, passei a tê-lo na minha posse.
E foi o paulatino retomar da execução, na solidão do seu escritório pessoal. Contactos exteriores foram raros[19]. Só nos Verões de 1963 a 1965, de férias em Espinho, voltou a ter algum contacto mínimo com outros instrumentistas e cantores, no âmbito das confraternizações de final de Agosto que alguns espinhenses ilustres (v.g. o já citado Napoleão Amorim ou o advogado Dr. Amadeu Morais [† 1987], seu colega de República) organizavam no termo do mês de Agosto; nessas noites espinhenses percorriam-se alguns lugares centrais da hoje Cidade, finalizando-se com uma serenata às turistas estrangeiras sediadas no parque de campismo e rematando com a execução da «Balada de Coimbra» no pórtico da Câmara Municipal.

Foi pelo Verão de 1964 que comecei a acompanhá-lo, possuindo um domínio mínimo de posições numa rudimentar viola então adquirida. Rudimentar era também, obviamente, o meu acompanhamento; e assim se manteria até ca. 1969, quando, já com 1 ano de Coimbra, pertencendo ao tempo ao Orfeão Universitário do Porto (OUP) e em vias de adquirir tudo quanto era disco de Canto e de Guitarra (45 ou 33 RPM) e de possuir uma boa viola construída pelo portuense DOMINGOS CERQUEIRA[20], me fui dando conta de que acompanhar o solo da Guitarra era bem mais exigente do que até então me parecera; e, por outro lado, havia especificidades daquele solista concreto que tornavam inadequadas as ‘receitas’ que, no meu processo de aprendizagem discográfica, eu ia obtendo. Mas isso foi problema que só com o passar dos anos eu soube resolver. Descontados entretanto, ainda nos anos 60, alguns serões no escritório de Engenharia de Napoleão Amorim (à Rua da Fábrica)[21], durante muito tempo limitámo-nos a tocar em casa, não raro horas seguidas e com várias voltas ao repertório. E não mais do que isso: raros continuaram a ser os contactos musicais exteriores de ACH[22].
Até porque, estudantilmente, a conjuntura post-1969 (e, concretamente no Porto, post-1971) pouco ou nada motivava. E profissionalmente ACH tornara-se orientador de Estágios (1969-1976) e mais tarde (1975-1978) Vice-Presidente do Conselho Directivo da sua Escola; e ainda em 1980-1982 integraria uma Comissão para a Revisão dos Programas de Física, nomeada pelo ministro Vítor Crespo. A timidez e a natural discrição em tudo quanto à sua arte dizia respeito faziam o resto…

Musicalmente, algo entretanto iria mudar, mas apenas a partir de 1977. A esse tempo, a sensação de que algo estava a querer renascer levava, aqui e além, ao reflorescimento de pequenas tertúlias: vizinho de ACH na Rua do Amparo, o advogado e guitarrista Dr. Eduardo Teixeira Portela conseguiu durante alguns anos (1977 ss.) reunir em sua casa, nas tardes de sábado, individualidades tais como:

§ o grande executante portuense Alexandre Brandão (1909-2004);

§ o advogado (também guitarrista) Dr. Amândio Marques, natural de Mangualde, nome muito pouco lembrado, mas que teve a sua projecção na década de 20, gravando inclusive temas originais; no Porto, para além da sua actividade profissional, foi longos anos Presidente da Casa da Beira Alta; ao tempo já consideravelmente idoso, estava naturalmente bastante esquecido da sua arte; mas ainda conseguiu repor em dedos uma das peças que gravara;

§ o professor liceal (também guitarrista) Dr. Armando Morais (1915-1996), ao tempo em comissão de serviço na Faculdade de Letras, devendo-se-lhe aí, em boa parte, o arranque do grupo de Filologia Germânica (1972);

§ ACH;

§ e outros ainda, menos assíduos; eu próprio várias vezes lá passei.

ACH recebeu com entusiasmo a notícia da realização do 1.º Seminário sobre o Fado de Coimbra, em Maio de 1978. Entusiasticamente lá compareceu – não o pude acompanhar, já que tinha sido pai na antevéspera – e participou na Serenata, integrado num grupo portuense (Manuel Cunha Gomes / Viriato Santos [gg.], Aureliano Veloso / Prado e Castro [vv.]), acompanhando Alcides Santos e Napoleão Amorim («Vento, não batas à porta» e «Fado da Sugestão», respectivamente).
Foi na sequência deste Seminário que compôs as suas «Variações em mi menor», na base da alternância tónica/dominante (começo e fim em Sol M, desenvolvimento central em mi m, segundo o ‘paradigma’ da peça de Artur Paredes no mesmo tom); surgirá também a «Valsa em lá menor n.º 2» [indicativo]; a veia criadora, inactiva desde os anos 40, ressurgia; e o ulterior trabalho com José Horácio Miranda daria ainda lugar a diversas introduções de fados.
Outra consequência do Seminário foi o dar regularidade a algo já pontualmente iniciado: trabalhar a três com Mário Freitas, meu antigo Colega no OUP e ao tempo já médico, em fase de «Serviço à Periferia». Foi labor nada fácil e de avanço lento, mas o certo é que paulatinamente fomos erguendo interpretações das peças de ACH com «2.as guitarras» diferentes do trivial e marcando bem a qualidade e a individualidade de Mário Freitas como executante / acompanhante.
Postas algumas peças em dedos, comparecemos naturalmente aos 2 Seminários subsequentes, executando o «ré menor» na Serenata do 2.º (1979) e a «Valsa em lá menor n.º 1» no ano seguinte. Em 1983 (5.º Seminário) executou-se todo o repertório instrumental próprio no convívio que marcou a tarde do último dia, no Edifício Chiado; Mário Freitas apresentou ainda «Noite de Estrelas» [valsa em lá m], do brasileiro Dilermando Barbosa, em arranjo para guitarra do seu Mestre Alexandre Brandão.
Pensou-se naturalmente em gravar: o mercado re-apresentava-se de feição e eu próprio conheceria em 1981 a experiência de participação no LP Guitarra Portuguesa: Raízes de Coimbra, de Octávio Sérgio. O repertório instrumental que tínhamos dava certinho para um EP 45 RPM; só que esta espécie discográfica estava em vias de extinção, num mercado dividido entre os LP’s e os singles. Para um LP havia que pensar em conteúdo vocal e instrumental: pensámos em José Horácio Miranda – que ocasionalmente já acompanháramos – e que, residindo em Penafiel e em vias de ser colocado na Inspecção de Ensino, se deslocava frequentemente ao Porto; acedeu, e de ca. 1982 a ca. 1985 trabalhámos intensamente. Às vezes aparecia também Paulo Alão, que residia em Paços de Ferreira; era para mim um prazer tocar a duo com este grande senhor da viola, possuidor além do mais de um estilo que tornava quase intuitivos os efeitos conjugados dos dois instrumentos; mais ocasionalmente o cantor António Sousa Pereira, advogado no Porto; e ainda amigos diversos de Miranda ou Alão, que pediam para aparecer; ou vizinhos no prédio, que longe de se molestarem com o «barulho» – podíamos tocar e cantar à vontade até por volta da 1 h. –, antes ficavam a ouvir na varanda ou, se o tempo o não permitia, batiam ocasionalmente à porta, pedindo para assistir a «um bocadinho». E a porta, obviamente, estava sempre aberta…
Trabalhámos intensamente, como disse. José H. Miranda tinha no repertório fados apenas gravados por António Menano (v.g. «Fado Saudades», «Morena», «Fado da Mentira» [versão original], etc) e tinha também uma especial atracção por algum Edmundo Bettencourt (v.g. «Fado dos Olhos Claro») e por múltiplos temas de (ou celebrizados por) Luiz Goes em diversas épocas: «Dobadoira» (tema executado em Ré Maior, com interessante trabalho de Mário Freitas), «Fado da Promessa», «Poema para um Menino» (arranjo meu, protagonismo de Mário Freitas), «Canção para Quase Todos», «Viagem de Acaso», «Balada dos meus Amores» e sobretudo «Última Canção de Amor» (arranjo meu, com interessantes trabalhos inicial e final de ACH e de MF inter-estrofes; juntamente com «Dobadoira», é a peça que mais me dói ter ficado inédita neste arranjo…). Nunca nos abrindo muito a saídas, ainda actuámos no Liceu Alexandre Herculano aquando de um almoço de Natal (Dez.84) e em Santo Tirso, por ocasião das 2.as Jornadas sobre o Município na Península Ibérica (Fev.85).

Depois… foi a não-concretização de qualquer projecto discográfico: as minhas andanças pré-doutorais (até 1985), o processar da carreira de Mário Freitas (hoje um distinto cirurgião e internista), os contextos pessoais e familiares…
A rematar, os problemas de saúde que afectariam ACH a partir de 1988, e que ditariam o seu desaparecimento em 31 de Outubro de 1991, cerca de um mês depois de completar 68 anos.
Ficaram as precárias gravações de alguns ensaios. Postas em mãos competentes, conheceram já transposições para CD (por Manuel Mora e Octávio Sérgio), para partitura (por Octávio Sérgio e por José dos Santos Paulo, neste caso com intenção didáctica) e, com execução própria, para suporte electrónico (por Fernando Frias Gonçalves)[23].
Ficou também, qual espelho do gosto suscitado pelos temas, a sua execução pública por diversos guitarristas (o «ré menor» por uma série de executantes [António Brojo, que gravou a peça nos anos 50 e a regravou nos 90, no seu derradeiro trabalho em CD exclusivamente instrumental; Octávio Sérgio; António da Cunha Pereira, num LP dos anos 80, da responsabilidade de um grupo de antigos elementos do OUP; Luís Plácido; Alexandre Bateiras…[24]]; o «lá menor» por Octávio Sérgio e Teotónio Xavier; e o «mi menor» e a «Valsa em lá menor n.º 1» por Octávio Sérgio, que tem frequentemente tocado o primeiro destes dois temas em saraus dos AOUC).
Os acasos de um destino irão porventura conferir uma notoriedade musical póstuma a quem, dos anos 50 aos 80, essencialmente procurou ser um competente profissional do ensino da Física e da Química a jovens estudantes liceais ?

Lisboa, 17 de Abril de 2005


Post-Scriptum, a propósito de «Serenatas» e de «Fados e Guitarradas»: Um investigador como António M. M. Nunes tem salientado e bem o que falta fazer no tocante a estudos sobre o vocabulário significante no âmbito do Canto e da Guitarra de Coimbra. O facto é que serenata se reporta a actividades musicais de ar livre, ainda que essa tenha sido a designação dada ao programa mensal do ERC surgido nos anos 40. Fados e guitarradas, em contrapartida, é sobretudo significante de actuações em palco. As duas coisas têm as suas diferenças também na ordem do repertório e até na postura dos executantes:

§ porque se uma actuação de ar livre pressupõe essencialmente o canto, capas traçadas e – em tempo de acompanhamentos de grande simplicidade – instrumentistas tocando de pé com apoio de guitarras e violas sobre a coxa (em tal postura foi ACH caricaturado por TOSSAN no Livro dos Quartanistas de Ciências, 1944),

§ já uma actuação de palco compreende o canto e os solos instrumentais, eventualmente em momentos diferentes do sarau e até com posturas diferentes dos instrumentistas; justamente nos anos 40 (influência dos programas radiofónicos «Guitarradas de Coimbra» que Artur Paredes [com Carlos Paredes e Arménio Silva] estava a levar a efeito na EN/Lisboa ?), a última parte dos saraus dos organismos musicais de Coimbra abria com as «Guitarradas»: 3 ou 4 números, executados com os instrumentistas sentados mas de capa pelos ombros; a fechar, os «Fados de Coimbra», com todos os participantes de capa traçada, independentemente da postura dos instrumentistas; nos anos 80 os concertos do «Quarteto de Guitarras de Coimbra» (António Brojo / António Portugal / Aurélio Reis / Luís Filipe) com cantores como José Mesquita, Alfredo Glória Correia, António Bernardino, Luís Marinho e mais pontualmente Fernando Rolim, Fernando Machado Soares, Luiz Goes e Napoleão Amorim chegaram a ‘ressuscitar’ esta prática, com os números instrumentais constituindo uma secção bem delimitada das actuações.


II. Cinco originais e um arranjo

0. Nota prévia

Que lugar atribuir a ACH entre os guitarristas da década de 40 ? É questão algo árdua, não só pela falta de abordagens prévias na perspectiva em que me coloco – neste e noutros textos congéneres –, como pela proximidade – familiar e musical – em relação ao executante objecto de análise.
Tomemos como ponto de partida algo que vem sendo afirmado, como que intuitivamente: os guitarristas das décadas de 40 e de 50 repartiram-se entre a influência predominante de Flávio Rodrigues e a influência predominante de Artur Paredes. Mas, a ser certo, teríamos desde logo que introduzir um(a) aditamento/ressalva: os guitarristas mais sintonizados com o que seria a então a modernidade guitarrística, em termos de execução e/ou de criação de temas, e isto por numerosos que possam ser os mutatis mutandis entre Artur Paredes (1899-1980) e Flávio Rodrigues (1902-1950).
Ainda assim, e olhando para uma série de executantes que comece em Jorge Alcino de Morais («Xabregas»)[25] e termine em Jorge Tuna – passando por João Bagão (1921-1993), José Amaral (1919-2001), ACH, António Brojo (1927-1999), António Portugal (1931-1994), Jorge Godinho (1937-1972) ou Eduardo de Melo [e isto para já não falar de guitarristas sem (ou quase sem) testemunhos gravados – por si ou por terceiros –, v.g. Abílio Moura, Augusto Seco, António Carvalhal, José Sobral de Carvalho, Gabriel de Castro, Serrano Baptista (Pai), António de Almeida Santos, Manuel Branquinho (1927-1999; quando exclusivamente guitarrista...), Júlio Ribeiro...] –, onde os mais flavianos ? onde os mais paredianos ?
Curiosamente, ACH tinha uma opinião sobre isto: achava que o executante mais parediano que algum dia ouvira era o ao tempo (anos 40) já médico dos HUC Abílio Moura[26]. Sobre si próprio, tendo também conhecido e ouvido Flávio Rodrigues – cuja influência é patente (ainda que não exclusiva) na «Valsa em lá menor n.º 1» –, assumia claramente Artur Paredes como a grande referência; e para além do ‘paradigma parediano’ enformante das suas próprias peças, executava parte significativa do repertório do Mestre (v.g. «Fado Hilário» [variações], «Variações em ré menor» n.os 1 e 2[27], «Variações em lá menor» n.os 1, 2 e 3[28], «Variações em mi menor», «Marcha em Fá», «Canção do Ribeirinho», «Rapsódia de Canções», «Rapsódia n.º 2»[29]...).
Olhando para os restantes guitarristas mencionados, quer-me bem parecer que, antes de Jorge Tuna – um novo Artur Paredes que COIMBRA manifestamente tem tido dificuldade em reconhecer como tal[30]... –, o mais parediano dos solistas mencionados é o António Portugal das «Variações em ré menor» e das «Variações em lá menor» (n.º 1), por muito surpreendente que esta opinião possa parecer aos executantes de hoje – quase 13 anos decorridos sobre o desaparecimento físico de AP –, bem provavelmente com inculcadas ideias sobre a pessoa de «feitio impossível»[31] e outras coisas do género e raramente – tirando «Aguarela Portuguesa» – pegando em peças suas[32]. E que dizer então dos restantes nomes ?

i. António Carvalhal, João Bagão[33], José Amaral[34] e Almeida Santos parecem-me incarnar uma linhagem com raízes pré-Paredes (vejam-se as apoggiaturas dobradas, processo logo evocador de executantes remotos, mas com bastantes prolongamentos ulteriores, v.g. em Octávio Sérgio[35]) e alguma influência de temas populares[36], e que em Coimbra percorre caminhos com pontos de contacto com Flávio Rodrigues (e porventura dele recebendo influências).

ii. António Brojo será o executante de mais problemática ‘classificação’. Autor de umas bem complexas «Variações em ré menor», de claro paradigma parediano [37], executante de diversas peças de Artur Paredes – v.g., particularmente conseguida, a «Marcha em Fá»[38] –, na maior parte da sua carreira de executante (e pontualmente criador) ostenta um tipo de musicalidade doce, que em boa medida o afasta de uma sonoridade parediana.

Ficaria assim ACH, na Guitarra de Coimbra dos anos 40 e 50, como um dos mais paredianos, a par de Jorge Morais ou Abílio Moura ? Alguns (raros) testemunhos de época apontam nesse sentido, para além de salientarem o sabor muito coimbrão da sua forma de tocar e das suas peças[39]. Ser demasiado «à Paredes» poderia incomodar ouvidos mais tradicionais ? Aparentemente sim[40]. Mas nada sei de mais concreto.
Certo é que o criador ACH se revela um «estrutural»[41], i.e., alguém com processos muito constantes nas sequências harmónicas dos seus temas. Tomemos as «Variações em ré menor», aquelas em que tal característica ocorre de A a Z:

i. As frases no modo menor seguem invariavelmente a sequência ré m / 2.ª de ré / ré m / 2.ª de sol / sol m / ré m / 2.ª de ré / ré m.

ii. As frases no modo maior seguem a sequência Ré M / 2.ª de Ré / Ré M / 2.ª de mi / mi m / Ré M / 2.ª de Ré / Ré M.

iii. Estas sequências atenuam-se nas «Variações em lá menor», enquanto que nas «Variações em mi menor» se limitam às duas frases iniciais (em Sol M e mi m, respectivamente).

iv. As Valsas conhecem logicamente outro tipo de sequências e o mesmo acontece na «Miscelânea em lá» (que não é um original mas um arranjo).

Analisemos então, pari passu, o discurso musical de um guitarrista.

1. As criações dos anos 40

A. Variações em ré menor

Peça composta nos anos 40 – provavelmente no período 1944-1947 – e objecto de frequente execução pelo Autor quando ainda em Coimbra, consta de 8 frases em compasso quaternário, sendo 4 em modo menor (1.ª a 4.ª) e outras tantas (5.ª a 8.º) em maior. Vejamos em detalhe:

i. Frase 1: Assenta num dizer-base de grupos de 7 notas, qual redondilha maior com acentuações na 4.ª e na 7.ª notas.

ii. Frase 2: Dizer-base de grupos de 7 + 2 notas, com acentuações nas 3.ª, 7.ª e 2.ª' notas.

iii. Frase 3: O dizer-base alterna grupos de 7 (acentuações na 3.ª e na 7.ª) com grupos de 8 notas (acentuações na 4.ª e na 8.ª); alternância quebrada perto do final da frase: os 3 últimos grupos são de 7 notas (acentuações como indicado supra).

iv. Frase 4: Momento-chave da peça, precedente que é da passagem ao modo maior. Aparentemente esta frase continua a anterior (mormente na alternância entre grupos de 7 e de 8 notas); mas há contrastes: de registos agudos passa-se para zonas mais graves da escala; e o ímpeto das frases precedentes é rendido por uma melodia cantabile e algo dolente, com qualquer coisa de canto de embalar... Perto do final há um compasso / suspensão em sol m, seguido dos 3 grupos finais de 7 notas (acentuações como em iij.); o último acorde é já em Ré M[42].

v. Frase 5: Ré M, quaternário lento, dizer-base alternando grupos de 4 (acentuação na 4.ª) com grupos de 5 notas (acentuações na 3.ª e na 5.ª); na 3.ª e na 4.ª sub-frases a alternância faz-se entre grupos de 4 e de 7 (acentuações na 3.ª e na 7.ª) notas; perto do final, uma pausa em mi menor, sucedida por 3 derradeiros grupos de 5 notas (acentuações na 3.ª e na 5.ª).

vi. Frase 6: No modo maior, constitui como que o espelho da frase 3: em quaternário rápido, o dizer-base faz alternar grupos de 7 e de 8 notas (acentuações como em iij.); depois da passagem por mi m, 3 grupos finais de 7 notas (acentuações na 3.ª e na 7.ª).

vii. Frase 7: De novo em quaternário lento, o dizer-base assenta em grupos de 12 notas (acentuações na 4.ª, na 8.ª e na 12.ª); as duas últimas sub-frases são grupos de 8 notas (acentuações na 4.ª e na 8.ª).

viii. Frase 8: Ainda em quaternário lento, grupos de 4 + 1 notas; a 3.ª e a 7.ª sub-frases são como que alexandrinos imperfeitos (grupos de 11 notas, staccato entre a 4.ª e a 5.ª, acentuações na 4.ª, na 7.ª e na 11.ª); as 3 últimas sub-frases consistem em grupos de 4 notas; finalização em 2 acordes rasgados de 2.ª e 1.ª de Ré M[43].


B. Variações em lá menor

A criação desta peça não será muito posterior à precedente, datando igualmente da fase final de Coimbra e também objecto de execução frequente, inclusive em actuações no então Emissor Regional Centro da Emissora Nacional. Passemos à análise respectiva:

i. Frase 1: Compasso ternário, desenvolvimento no tema epónimo. O dizer-base assenta em grupos de 11 notas (alexandrino perfeito), com acentuações na 5.ª e na 11.ª. A sequência é matricial: lá m / 2.ª de lá / lá m / 2.ª de ré / lá m / 2.ª de lá / lá menor.

ii. Frase 2: Sequela da frase anterior mas com alternância de tónica e dominante, i.e., em Dó M e lá m; também em ternário e em alexandrino, segue matricialmente por Dó M / 2.ª de Dó / Dó M / 2.ª de ré / ré m / lá m / 2.ª de lá / lá m.

iii. Frase 3: Ainda em ternário, desenvolvimento em lá m; sub-frase inicial de 5 notas (acentuação na 5.ª), seguida de 3 de 11 (acentuações na 5.ª e na 11.ª); posto o que, 2 sub-frases de 5 + 2 notas e 5 de 3 ( + 1 acorde staccante); ligação final de 5 notas à frase seguinte, terminando já em Dó M; sequência harmónica: lá m / 2.ª de lá / lá m / 2.ª de ré / ré m / 2.ª de Dó / lá m / 2.ª de lá / Fá M / 2.ª de lá.

iv. Frase 4: Compasso quaternário, alternância como em ij.; 1.ª sub-frase com 8 notas (acentuações na 4.ª e na 8.ª), seguida de duas de 6 (acentuações na 2.ª e na 6.ª) e de mais duas de 11 (acentuações na 4.ª e na 11.ª), duas de 8 (acentuações na 4.ª e na 8.ª) e finalmente 3 de 4 (interpausadas); sequência: Dó M / 2.ª de Dó / Dó M / 2.ª de ré / lá m / 2.ª de lá / lá m.

v. Frase 5: Compasso e desenvolvimento como em iv.; dizer-base de grupos de 7 notas; sequência: 2.ª de lá / lá m / 2.ª de lá / lá m [bis].

vi. Frase 6: Compasso e desenvolvimento como em iv. e v.; grupos de 8 notas; sequência: lá m / 2.ª de lá / lá m / 2.ª de ré [pausa] / ré m / lá m / 2.ª de lá / lá m.

vii. Frase 7: Compasso e desenvolvimento como em iv., v. e vi.; grupos inicialmente de 7, depois de 8 notas; sequência: lá m / 2.ª de lá [bis]; ré m / lá m / 2.ª de lá / lá m [bis].

viii. Frase 8: [Finale poderoso] Compasso e desenvolvimento como em iv., v., vi. e vij.; predominam os grupos de 8 notas; sequência: lá m / 2.ª de lá / lá m [bis]; Dó M / 2.ª de ré / ré m / lá m / 2.ª de lá / lá m [bis]; termina com acordes rasgados de 2.ª e 1.ª de lá m[44].


C. Valsa em lá menor n.º 1

Última peça de cenário coimbrão, consta essencialmente de duas secções:

i. Desenvolvimento em lá m, dizer-base de grupos de 5 notas (por vezes com uma 6.ª manifestamente átona); sequência: 2.ª de lá / lá m / 2.ª de ré / ré m / lá m / ré m / 2.ª de mi / 2.ª de lá (bis; na repetição há um regresso final a lá m, com um compasso ternário de intervalo para a 2.ª secção);

ii. Com início em 2.ª de Dó, o dizer-base assenta em grupos de 2 + 6 notas; sequência: 2.ª de Dó / Dó M (bis) / 2.ª de lá / lá m (bis) / ré m / lá m / 2.ª de lá / lá m.


2. Peças ulteriores (anos 70)

D. Valsa em lá menor n.º 2 (indicativo)

É uma das peças criadas nos anos 70 finais, em cima do rearranque público do Canto e da Guitarra de Coimbra. Peça breve e de desenvolvimento simples, consta essencialmente de três secções:

i. Compasso quaternário, desenvolvimento em lá m. O dizer-base assenta em grupo de 3 notas, seguidos de 3 grupos de 6; sequência: lá m / ré m / Lá # M / lá menor / 2.ª de lá (pausa e bis);

ii. Compasso quaternário, dupla descida espanhola (lá M / Sol M / Fá M / 2.ª), seguida de ré m / Dó M / 2.ª de lá / lá m;

iii. Epílogo, 2.ª e 1.ª de lá m;

iv. Obs.:

α. Toda a peça é acompanhada em acordes nos 3 bordões da 2.ª guitarra;

β. Muitas vezes foi esta peça executada em articulação com a «Valsa 1», de acordo com a a sequência que se indica: «Valsa 2» / «Valsa 1» [1 só vez] / frase inicial da «Valsa 2» (encerramento).


E. Variações em mi menor

Criado em cronologia próxima do anterior, este tema vem inserir-se numa 'genealogia' de «Variações em mi menor» que arranca em Artur Paredes – com outras continuidades em Jorge Tuna, Octávio Sérgio, Francisco Filipe Martins, Manuel Borralho et alii –, e que se caracteriza por desenvolvimentos na base da alternância Sol Maior / mi menor. Passemos à análise:

i. Frase 1: Arranque em Sol M, compasso quaternário, grupos de 7 notas (pontualmente apoiados em 'prolongamentos' de mais 3); passagens por: Sol M / 2.ª de Sol / Sol M / 2.ª de lá / lá m / Sol M / 2.ª de Sol / Sol M.

ii. Frase 2: Desenvolvimento em mi m, compasso quaternário, grupos de 7 notas (pontualmente apoiados em 'prolongamentos' de mais duas); passagens por mi m / 2.ª de mi / lá m [pausa] / mi m / 2.ª de lá / lá m / mi m / 2.ª de mi / mi m.

iii. Frase 3: Desenvolvimento em mi m, compasso quaternário; sub-frases compostas por 4 acordes + 3 notas (2.ª guitarra em solo durante os grupos de 4 acordes); passagens por: mi m / 2.ª de lá / lá m / 2.ª de mi / mi m [bis] / 2.ª de lá / lá m / 2.ª de Sol / Sol M / 2.ª de lá / lá m / 2.ª de mi / mi m / 2.ª de lá / lá m / 2.ª de Sol / Sol M / 2.ª de mi (terminando em acorde rasgado, seguido de pausa).

iv. Frase 4: Desenvolvimento em mi m, compasso ternário, grupos de 5 notas; passagens por: mi m / 2.ª de mi / mi m / 2.ª de lá / lá m / mi m / 2.ª de mi / mi m.

v. Frase 5: Desenvolvimento em mi m, compasso ternário, grupos de 7 notas; passagens por: mi m (a viola vai baixando nos bordões, de meio-tom em meio-tom, de si a mi; acordes correspondentes na 2.ª guitarra) / 2.ª de mi / lá m / 2.ª de mi / mi m [bis].

vi. Frase 6: Sequência à frase anterior em Sol M, compasso ternário, grupos de 7 notas; passagens por: Sol M / Fá # M [pausa] / Sol M / 2.ª de Sol / Sol M / Fá # M [pausa] / Sol M / 2.ª de lá / lá m / 2.ª de Sol / Sol M / 2.ª de Sol / Sol M.

vii. Frase 7: Finalização em Sol M, compasso ternário, grupos de 5 notas; passagens por Sol M / si m / Sol M / 2.ª de Sol / lá m / 2.ª de Sol / Sol M / si m / Sol M / si m / 2.ª de si / si m / 2.ª de si / si m / Sol M / si m / Sol M / 2.º de Sol / lá m / 2.ª de Sol / Sol M / si m / 2.º de lá / lá m / 2.ª de Sol / Sol M; termina com acordes reasgados de 2.ª e 1.ª de Sol M. Obs.: nesta frase e na anterior a 2.ª guitarra processa-se em acordes nas cordas graves de Ré / Lá / Si.


3. Uma peça «hors-série»

F. Miscelânea em lá (arr. sobre temas de Artur Paredes e João Bagão)

A inclusão desta peça hic & nunc vai, com toda a certeza, surpreender uns tantos. Porquê ? O comum dos leitores conhece por certo uma peça intitulada ora «Estudo em Lá», arr. A. Brojo, ora «Variações sobre um tema em fá # m», de A. Brojo; com o primeiro título, o mais conforme à verdade, foi gravada nos anos 50, originariamente em 78 RPM e logo reed. em EP 45 RPM, por António Brojo / António Portugal (gg.) / Aurélio Reis / Mário Castro (vv.)[45]; com o segundo título – já que nesta versão há, de facto, uma frase de abertura em fá # m – foi gravada nos anos 80 por uma formação quase idêntica, apenas com Luís Filipe no lugar de Mário Castro[46].
Ora a peça assenta em temas originais de Artur Paredes[47] e João Bagão; Carvalho Homem fez-lhe um primeiro arranjo, que António Brojo conheceu no ano em que tocaram juntos (1948), sobre ele tendo feito, depois, o seu próprio arranjo, que pelo disco se tornou bem conhecido; poucos dominarão pois a pré e a proto-história da peça.

Deixo aqui a análise do arranjo de ACH, tal como executado nos anos 60 a 80.

i. Frase 1: Desenvolvimento em lá m, compasso ternário, conjuntos de 5 + 1 notas; sequência: 2.ª de lá / lá m (bis); ré m / lá m / 2.ª de lá / lá m; 2.ª de lá / lá m (bis); 2.ª de Dó / Dó M / 2.ª de lá / lá m.

ii. Frase 2: Desenvolvimento em lá m, compasso ternário, conjuntos de 5 + 1 notas; sequência: lá m / 2.ª de lá (bis); 2.ª de Dó / Fá M / 2.ª lá / lá m / 2.ª de ré / ré m (pausa); sequência cadencial ligando à frase seguinte, passando por lá m / 2.ª de lá / Fá M / 2.ª de lá / lá m.

iii. Frase 3: Desenvolvimento em lá m, compasso ternário, conjuntos de 5 + 1 notas; sequência: lá m / 2.ª de lá (bis); 2.ª de ré / ré m / lá m / 2.ª de lá / Lá M (estas 3 frases repousam em motivos originais de João Bagão; as subsequentes em motivos de Artur Paredes).

iv. Frase 4: Desenvolvimento em Lá M, compasso ternário, conjuntos de 5 + 1 notas; sequência: Lá M / 2.ª de Lá / Lá M / Ré M / Lá M / 2.ª de Lá / Lá M (que logo passa a m).

v. Frase 5: Desenvolvimento em Lá M, compasso ternário, conjuntos de 5 notas, cada dois dos quais intercalados por um grupo de 11 notas («mutatis mutandis», entre a redondilha menor e o alexandrino); sequência: Lá M / 2.ª de Lá (bis).

vi. Frase 6: Desenvolvimento em Lá M, compasso ternário, 4 grupos de 9 notas seguidos de 4 grupos de 5 notas; sequência: Lá M / 2.ª de Lá / Lá M (ter) + mais um último compasso já em lá m.

vii. Frase 7: Frase simétrica da frase 4 no modo menor, ou seja, desenvolvimento em lá m, compasso ternário, conjunto de 5 + 1 notas; sequência: lá m / 2.ª de lá / lá m / ré m / lá m / 2.ª de lá / lá M; é viável, nos derradeiros três compassos, uma plena 2.ª voz pela 2.ª guitarra.

viii. Frase 8: Frase parcialmente simétrica da frase 5 no modo menor, i.e., desenvolvimento em lá m, compasso ternário, conjuntos de 5 notas, cada dois dos quais intercalados por um grupo de 11 notas; sequência: lá m / 2.ª de lá / lá m (bis).

ix. Frase 8: Virtuose final em lá m, compasso ternário; sequência: lá m, 2.ª de lá (bis); lá m / ré m / 2.ª de Dó / lá m / 2.ª de lá / lá m (finalização «ex abrupto»). A 2.ª guitarra pode executar uma plena 2.ª voz [48].


4. Conclusão

Tal é o conspecto possível da Obra de um «Homem que viajou sozinho»[49] – essa foi com efeito a postura quase permanente de ACH uma vez saído de Coimbra e tornado um profissional do Ensino e constituída Família: discrição plena quanto à sua Arte, longamente praticada a solo, no recato do gabinete de trabalho, apenas largos anos depois voltando a acompanhar e a ser acompanhado.
A primeira gravação das «Variações em ré m» por A. Brojo evitou-lhe o esquecimento total; trabalhos discográficos do mesmo executante, mas muito posteriores, atenuaram um pouco a (quand même) subsistente penumbra. E, dos anos 80 para cá, a atenção de um Octávio Sérgio, de um Fernando Frias Gonçalves e de um Manuel Mora aos seus temas inéditos vieram a torná-lo um criador acessível aos interessados… se e quando os houver, como é evidente.
Na mesma linha de acessibilização se localizam as páginas que agora finalizo.

Lisboa, 29 de Setembro de 2007 (84.º aniversário do nascimento de ACH)


[1] Vitorino Henriques Godinho (1878-1962). Pátria e República, Lisboa Assembleia da República / Dom Quixote, 2005, p. 18.
[2] «Elogio historico do sócio honorario do Instituto de Coimbra, João Correia Ayres de Campos», in IDEM, Escritos vários relativos à Universidade dionisiana, reed. Manuel Augusto RODRIGUES, Coimbra, Arquivo da Universidade, 1988, p. 528.
[3] Terá Mestres como Anselmo Ferraz de Carvalho (1978-1955), António Jorge Andrade Gouveia (1905-?), Custódio de Morais (1890-1985), Diogo Pacheco de Amorim (1888-1976), Fernando Pinto Coelho (1912-?), Gumersindo da Costa Lobo (1896-1952), Manuel Marques Esparteiro (1893-1985), Manuel dos Reis (1900-?), Mário Augusto da Silva (1899-1977), João Rodrigues de Almeida Santos (1906-1975) e Rui Couceiro da Costa (1901-1955), entre outros (para os dados biográfico destes Mestres, cf. o livro cit. infra, n. 14, in fine).
[4] Caso de Francisco Homem de Carvalho, filho de Constantino Carvalho, natural de Melo (Seia), bacharel [1630] formado [1631] em Cânones (Arquivo da Universidade de Coimbra [AUC], Ficheiro [manuscrito] de matrículas e exames, ficha do próprio).
[5] Caso de Manuel Homem, natural de Rio de Moinhos (Viseu), bacharel em Cânones [1560] (AUC, Ficheiro de matrículas e exames, ficha do próprio).
[6] Informações do Dr. António Pinto Ravara, a quem muito agradeço.
[7] Deve tratar-se de António Cardoso de CH, natural de Abrunhosa, que frequentou a Faculdade de Philosophia [exame do 4.º ano em 1789] e se formou em Leis [1796] (AUC, Ficheiro de matrículas e exames, ficha do próprio).
[8] António de CH, natural de Abrunhosa, formado em Leis [1822]; José de CH, natural de Castelo (Ferreira de Aves), formado em Leis [1829]; Luís de CH, natural de Castelo (Ferreira de Aves); fez exame do 4.º ano de Cânones [1829, sem indicação de formatura]; e ainda José de CH, pai dos três anteriores (AUC, Ficheiro de matrículas e exames, fichas dos 3 primeiros).
[9] Tenham-se em conta recentes trabalhos de Maria de Fátima EUSÉBIO, lente da U. Católica Portuguesa / Centro Regional das Beiras (Viseu).
[10] António Gaspar de CH, filho (tal como os dois referidos nas nn. sequentes) de Luís Filipe de CH e (como eles) natural de Cortiçô de Algodres, bacharel formado em Direito [1901] (AUC, Ficheiro de matrículas e exames, ficha do próprio).
[11] Joaquim de CH (?-1953), matriculado em Philosophia [depois Ciências] a partir de 1910 (AUC, Ficheiro de matrículas e exames, ficha do próprio).
[12] Bacharel formado em Medicina [1904] (AUC, Ficheiro de matrículas e exames, ficha do próprio).
[13] Fora do meio musical os seus grandes amigos foram Abílio Alves Bonito Perfeito, estudante de Filologia Clássica e mais tarde, por longos anos, professor do Liceu da Guarda; e António Matias Filipe, seu Colega em Físico-Químicas.
[14] Onde teve como Mestres, entre outros, António Meliço Silvestre (Higiene Escolar; lente de Medicina, 1900-1973), Joaquim de Carvalho (História da Educação, 1892-1958), Sílvio Lima (Psicologia Geral e Psicologia Escolar e Medidas Mentais, 1904-1993) e o belga Émile Planchard (Pedagogia e Didáctica, 1905-1990), então nos primeiros tempos da sua longa docência em Portugal. Obs.: Sobre os lentes referidos na presente nota e na n. 3, v. por todos Manuel Augusto RODRIGUES [Dir.], Memoria Professorvm Vniversitatis Conimbrigensis: 1772-1937, Coimbra, Arquivo da Universidade, 1992, pp. 55 ss. (para a FL/UC), 181 ss. (para a FM/ UC) e 295 ss. (para a FC/UC).
[15] O autor destas linhas (n. 1950) e Rui Manuel Gomes de CH (n. 1959).
[16] No velho paquete Lima, transformação de um navio alemão ancorado no Tejo em 1916 e então requisitado pelo governo português – causa próxima da entrada na I Guerra Mundial – e em mãos portuguesas ficado no fim do conflito, a título de «despojos de guerra»; devidamente transformado, fez a carreira dos Açores até à década de 60.
[17] Setembro de 1984, em vésperas de completar 61 anos.
[18] A Casa foi integrada no grupo CASTANHEIRA-SOMUSICA; fechou o estabelecimento da R. Mouzinho da Silveira; tem vários na Cidade, costumando eu frequentar o da Rua do Almada.
[19] Será um bom tema de indagação o procurar saber porque é que nunca houve movimento algum de aproximação por parte dos instrumentistas portuenses (ou vice-versa). Porque é que duas Academias sitas em urbes separadas por 120 km têm vivido, nesta matéria, tendencialmente de costas voltadas, a ponto de individualidades coimbrãs que passaram também pelo Porto propenderem a omitir tal coisa das suas biografias ? O 2.º volume da obra coordenada por José Niza está repleto de exemplos… Porquê em Coimbra, e ainda hoje, o sobreviver de tendências maximalistas que sobranceiramente ignoram o Canto e a Guitarra academicamente praticados alhures ? E porque é que os académicos portuenses ‘censuram’ as referências a Coimbra, falando de «Fado Académico» e não interpretando temas com vocabulário geo-topográfico (Coimbra, Santa Clara, Santa Cruz, Sé Velha, Mondego, Penedo, Lapa [dos Esteios], Choupal, Torre d’Anto…) ou então mudando a letra ? Porque é que nas várias ocasiões em que debaixo do mesmo tecto tive ex-UC’s e ex-UP’s, uma qualquer ‘barreira’ invisível teimava em manter-se, ainda que os progressos do conhecimento recíproco tendessem a atenuá-la ? E porque é que ACH, que só nos anos 70 finais conheceu António Sutil Roque, António Sousa Pereira ou José Horácio Miranda, por exemplo, com eles lidou de imediato como se longo fora o conhecimento, ao mesmo tempo que cordialíssimos eram sempre os reencontros com José Amaral, João Bagão, António Brojo, Aurélio Reis, Alcides Santos, os irmãos Prado e Castro ou Octávio Sérgio, e isto por muito que fosse o tempo decorrido desde o último encontro ? Questões para reflectir e, talvez um dia, algo escrever…
[20] Com oficina à Rua Costa Cabral, nas imediações do antigo Cinema Júlio Dinis; a primeira viola que me construiu ficou pronta em Janeiro de 1970; em finais de 1973 encomendei uma segunda, com maior potência de graves; foi-me entregue em Março de 1974, na véspera do «golpe das Caldas». Domingos Cerqueira viria a morrer em 1980.
[21] Aí conheci o guitarrista Manuel Antunes Guimarães e o cantor Paulo Sampaio.
[22] Apenas num dado momento, já na década subsequente, Mário Freitas – com quem eu tocava no OUP desde 1972 – começou a aparecer lá por casa
[23] Este notável executante, hoje aposentado e a residir perto da Figueira da Foz, construiu em sua casa um estúdio onde já gravou amplo leque de peças instrumentais (de autoria própria e de outros – muito variados – criadores), recuperando ainda velhas gravações em 78 RPM. Tudo isto está disponível em http://guitarradascoimbrafg.dyndns.org/. (visitado pela última vez em 2006/10/19). Vivamente felicito Frias Gonçalves pelos resultados obtidos e agradeço-lhe especialmente o cuidado posto na execução das peças de ACH.
[24] Numa Serenata gravada no ERC, ouvi nos anos 60 uma óptima interpretação das «Variações em ré m», por Ernesto de Melo / António Andias / Rui Pato).
[25] As suas «Variações em lá menor» [de que existem versões gravadas por Jorge Godinho (anos 50, com António Portugal / Manuel Pepe / Paulo Alão), António Brojo (uma versão dos anos 60, com António Portugal / Rui Pato; outra dos anos 90, com Carlos de Jesus / Aurélio Reis / Luís Filipe / Humberto Matias) e Octávio Sérgio (anos 90, com António Sérgio / Durval Moreirinhas)] são de clara influência de Artur Paredes, havendo inclusivamente uma frase (a 4.ª, num total de 8, sendo a última a reexecução da primeira, processo de repetição que, na Coimbra post-Artur Paredes e em contexto de «variações», só reencontro nas mencionadas «Variações em lá menor» de António Portugal) com presumível origem nas «Variações em lá menor n.º 2» de Artur Paredes.
[26] Esta ideia é como que confirmada, com o apontar de curiosas consequências, por António M. NUNES, «Da[s] memória[s] da Canção de Coimbra», in Canção de Coimbra: testemunhos vivos [Antologia de textos], Coimbra, Direcção-geral da AAC, 2002, p. 18: «Quanto aos guitarristas, ou bem que se procura imitar Artur Paredes [correndo o risco de ser anatematizado, como sucedeu com Abílio Moura]...». Sobre Abílio Moura e Augusto Seco, seu Colega de grupo, cf. José NIZA, Um Século de Fado. Fado de Coimbra, II, Alfragide, Ediclube, 1999, pp. 17 e 91.
[27] Versão antiga desta última peça, a qual terminava com um desenvolvimento em modo maior, que nas gravações dos fifties fecha as «Variações em Ré Maior».
[28] Estas últimas também conhecidas como «Variações em Dó».
[29] Peça também conhecida por «Cantares portugueses». Cf., de minha autoria, «Nótula sobre a discografia de Artur Paredes (anos 50)», disponível em http://guitarradecoimbra. blogspot.com [post de 2006/12/19].
[30] Artur Paredes terá sido executante desde o termo da infância até ao fim dos seus dias, ou seja, por um período de cerca de 70 anos (ca. 1910-1980). Jorge Tuna leva feitos cerca de 50 anos de executante e 47 de gravações comerciais, ainda que com soluções de continuidade (cf. os dados que apresento em «Jorge Tuna: para uma abordagem ternária de um Mestre da Guitarra de Coimbra», Revista Portuguesa de História, XXXVI/2 [2002-2003], pp. 397-416).
[31] Feitio difícil ? Sem dúvida. Mas também capaz de manifestações de consideração e simpatia (posso pessoalmente testemunhá-lo); e sem esquecer actos de solidariedade que nos idos de -74 e -75 livraram muita boa gente de problemas de maior...
[32] Numa geração relativamente veterana, Alexandre Bateiras será uma das ilustres excepções. Em matéria de executantes mais recentes, outra excepção estará na dupla Carlos de Jesus (g.) / Paulo Larguesa (v.).
[33] As suas arquiconhecidas «Variações n.º 1 (em lá menor)» afiguram-se-me representar um cruzamento de referências.
[34] Nomeadamente nas «Variações em Lá Maior» (gravadas por António Portugal, anos 50, com Jorge Godinho / Manuel Pepe / Levy Baptista; e por António Brojo, anos 90, com António Portugal / Aurélio Reis / Luís Filipe).
[35] Há aliás o que me parece ser uma clara relação de vizinhança entre as «Variações em Lá Maior» de Carvalhal, de Amaral e de António Rodrigues (executante viseense conhecido como «António das Águas»; peça gravada em 1980 por Octávio Sérgio [com Durval Moreirinhas / Fernando Alvim]). A este respeito cf., de minha autoria, «As “variações” de Octávio Sérgio: uma observação centrada em três peças», in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Amadeu Coelho Dias, vol. I, Porto, Fac. Letras / UP, 2006, pp. 159-175; disponível em http://guitarradecoimbra.blogspot.com (post de 2005/03/27, reed., com aditamentos e actualizações, em 2006/12/17).
[36] Carvalhal levou para Coimbra a conhecida «Chula» em Ré Maior.
[37] Primeira gravação (excelente !) nos anos 80, com António Portugal / Aurélio Reis / Luís Filipe; segunda gravação (claramente inferior) nos anos 90, com Carlos de Jesus / Aurélio Reis / Luís Filipe / Humberto Matias).
[38] Mormente na primeira gravação feita, anos 60, com António Portugal / Rui Pato; a segunda gravação (anos 90, com António Portugal / Aurélio Reis / Luís Filipe) não se me afigura tão conseguida.
[39] No meu próprio espólio epistolográfico tenho cartas de Ângelo Vieira de Araújo e de Augusto Camacho que assim o consideram.
[40] Veja-se a seguinte frase de António M. NUNES: «Carvalho Homem, acusado de encosto ao estilo Paredes, foi o mais consistente» («Op. cit.» supra, n. 26, p. 19, sublinhado meu). De todo desconheço a que é que o Autor possa querer referir-se. Bem melhor se exprime António Brojo, em entrevista concedida em 1991 ao próprio António M. M. Nunes («Duas horas de conversa com António Brojo», disponível em http://guitarradecoimbra. blogspot.com, post de 2006/08/28): o entrevistado refere ACH como mais entusiasmado por Artur Paredes do que por qualquer outro criador, chegando a utilizar discos seus para ter acesso às peças. De qualquer modo, tais passagens, associadas à transcrita na n. 26, parecem indiciar, na Coimbra dos anos 30/40, alguma resistência a Artur Paredes. E aqui está uma problemática que importaria conhecer algo melhor…
[41] E a sua formação académica não seria, por certo, alheia a tal circunstância.
[42] Eu próprio e Mário Freitas, entre ca. 1978 e ca. 1988, sempre demos especial atenção ao acompanhamento desta emblemática frase, acompanhamento essencialmente feito nas 3 cordas graves da 2.ª guitarra, permitindo efeitos conjugados com os bordões da viola; já perto do final da nossa actividade, introduzimos, na 3.ª sub-frase (que é como que a repetição/reapresentação do motivo de entrada da frase 4), a sequência Fá M / Lá # M / Ré # M / 2.ª de ré / ré m, criando um algo inesperado efeito à anos 60...
[43] Esta peça foi gravada nos anos 50 por António Brojo / António Portugal (gg.) / Aurélio Reis / Mário Castro (vv.), inicialmente em 78 RPM, com uma reed., pouco posterior em EP 45 RPM; veja-se a reed. na Antologia org. por J. NIZA, Fados e Guitarradas de Coimbra, vol. I. Movieplay, 1996, disco 1, faixa 15 (com errada atribuição de autoria a António Portugal); também no vol II, Movieplay, 2001, disco 1, faixa 15 (com corresta indicação de autoria). António Brojo voltou a a gravar esta peça na década de 1990, no CD Memórias de uma Guitarra, EMI – Valentim de Carvalho, 1997, faixa 8), com Carlos Jesus (g.) / Aurélio Reis / Luís Filipe / Humberto Matias (vv.).
[44] António Brojo gravou esta peça, segundo as coordenadas que ela tinha nos anos 40, no CD cit. na n. anterior, faixa 4.
[45] Veja-se a reed. na Antologia Fados e Guitarradas de Coimbra (cit. supra, n. 43), disco 1, faixa 8 (aparece como autoria e não arr. de A. Brojo).
[46] Cf. a Antologia Tempo(s) de Coimbra. Oito décadas no Canto e na Guitarra, ed. JORSOM, 1985, disco 4, face B, faixa 4 (há reed. em CD). Veja-se também a versão de Ricardo Dias (com o título «Estudo em Lá»), no CD Quinteto de Coimbra. Fado e Guitarra Portuguesa [Ricardo Dias (g.) / Nuno Botelho / Pedro Lopes (vv.)], Oeiras, HM Música Produções. 2002, faixa 4; esta versão inclui uma virtuosística frase-epílogo, criação do próprio Ricardo Dias.
[47] Vejam-se as «Variações me Lá M», incl. no CD não-comercial, Raridades, org. Manuel MORA, 1999, faixa 10.
[48] Mário Freitas costumava fazê-lo, quer aqui, quer no termo da frase 7.
[49] Título de uma Obra do romeno Virgil GHEORGIU, Autor do 'clássico' 25.ª (A) Hora.
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Faz amanhã, dia 31 de Outubro, 17 anos que morreu Armando de Carvalho Homem. Este texto de seu filho Armando Luís é uma homenagem a seu pai.

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